Tenho andado um bocado por esse "mundão véio sem porteira", com uma maleta de ferramentas de um lado, um balaio de livros do outro. Olhos atentos nas ruas, feiras e mercados desse Brasil, me ajudam a garimpar artesãos e seus brinquedos incríveis. Anos de estrada me deram a certeza de que brincadeira é coisa muito séria e que fazer brinquedos é uma grande viagem.
Foi lá pelo finzinho dos anos 80 que comecei a pensar na oficina de brinquedos. Na verdade, eu queria mudar de rumo, depois de 11 anos construindo e restaurando maquetes navais. Toda aquela experiência com ferramentas e madeiras não podia se perder. Mas, o que fazer? Por incrível que possa parecer, foi sentada dentro de um ônibus parado num sinal, olhando uma chave gigante que girava sobre a tabuleta - Chaves na Hora - que a idéia "explodiu" em minha cabeça: Brinquedos! Vou fazer brinquedos!! Naquele instante, mágico, uma sensação incrível tomou conta de mim.
Aos poucos fui descobrindo revistas e livros sobre brinquedos de madeira. Ao mesmo tempo outra idéia foi tomando corpo: promover oficinas de brinquedos para crianças. Porque não? Montei um programa e fui conversar com o pessoal da Criarte - uma escola de arte no Humaitá onde anos antes eu tinha feito um curso. Álvaro Ottoni e Ângela Macedo me receberam de portas e corações abertos. Me deram uma sala e lá montei minha primeira oficina. Junto com Claudia Santos, fizemos um esquema de divulgação, que me levou ao programa Sem Censura na TVE.
Após a entrevista, uma surpresa: Marina Quintanilha Martinez, minha professora de literatura infantil no Ciae da Escolinha de Arte do Brasil assistiu e me ligou com um convite para conhecer sua Biblioteca Infantil Manoel Lino Costa, no Centro do Rio. Reencontrar a Marina seria ótimo, mas o que eu poderia fazer numa biblioteca? Vieram as lembranças das bibliotecas da minha vida. A do colégio de freiras, onde era preciso entrar em silêncio, com as mãos para trás, sentar no lugar marcado e folhear o livro que já estava sobre a mesa. A do ginásio, onde o inspetor vigiava escondido entre as prateleiras. A vontade de sair correndo dali era irresistível! Assim me preparei para visitar a BIMLIC.
O endereço também não era dos mais convidativos. Uma sala num dispensário de freiras na Rua Mem de Sá, área bastante degradada da cidade. Mas foi abrir a porta pra mergulhar de cabeça num lugar mágico e especial, que só uma pessoa como a Marina poderia ter inventado. Era um Espaço Vivo, com livros, crianças, idéias e pessoas sérias e muito envolvidas com o que faziam. Foi um caso de amor à primeira vista. Saí de lá empolgada e na semana seguinte comecei a trabalhar. Fui conhecendo as crianças, levando livros pra casa. Abrimos inscrições para a Oficina de Brinquedos, a princípio uma tarde por semana durante dois meses. Quem faltasse duas vezes seguidas, perdia a vez, pois havia uma grande fila de espera. Foi uma das experiências mais marcantes de minha vida.
Robson, Alex, Diogo, Mark, Ednilson, Wendel, Leidiane, Rafael, Ulisses, Vinícius, Andreza, Marcelo, Fabinho, Paulo e tantos outros! Juntos montamos a oficina, que, ao longo de dois anos produziu brinquedos maravilhosos. Relendo os diários de bordo daquela época, me surpreendo com a lembrança do primeiro dia da oficina, quando conversamos sobre lixo, sucata, desperdício e partimos pra organização do material. Ficou registrada a grande dificuldade das crianças pra simplesmente forrar com papel colorido as caixas de papelão! Com o tempo eles foram dominando tesoura e régua, além de serrote, alicate, martelo, furadeira. Tínhamos nossa própria seção de livros, que no início eram bastante consultados, servindo de ponto de partida. Alguns projetos da biblioteca - Mitologia: O Labirinto de Creta, Contos de fadas: Castelos - acabaram se tornando projetos de longo curso da Oficina. O inverso também ocorreu: a partir da história A Casinha, contada por Helena Jacobina e da idéia de fazer maquetes, surgiu A Lapa vista pelas crianças - um projeto de ecologia urbana, que envolveu todos nós durante alguns meses, produzindo um trabalho muito bom, registrado em vídeo por Paula Saldanha e Roberto Werneck e apresentado no Museu do Telefone.
Em 92, encerrado o contrato de comodato com a instituição, a Biblioteca fechou suas portas. Durante outros dois anos tentamos, em vão, encontrar novo espaço para ela. Hoje o acervo de uns 5.000 livros está em boas mãos, no Sítio Santa Clara. De lá pra cá, muitas águas rolaram, muitas oficinas aconteceram, para crianças e adultos, em instituições de ensino formal e informal, no Rio de Janeiro e em outros estados. Mas é com especial emoção e carinho que penso naquele tempo, onde tanto aprendi com aquelas crianças. Foi uma Escola e tanto, uma "plataforma de vôo", como diz Marina. Até hoje somos parceiras em projetos de arte e leitura, além de comadres. Minha filha Lara, hoje com 6 anos, não poderia ter melhor madrinha!
Setembro de 2001
Texto da exposição Galeria de Brinquedos Populares
sábado, 26 de setembro de 2009
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