sábado, 26 de setembro de 2009

ANDANÇAS

Tenho andado um bocado por esse "mundão véio sem porteira", com uma maleta de ferramentas de um lado, um balaio de livros do outro. Olhos atentos nas ruas, feiras e mercados desse Brasil, me ajudam a garimpar artesãos e seus brinquedos incríveis. Anos de estrada me deram a certeza de que brincadeira é coisa muito séria e que fazer brinquedos é uma grande viagem.

Foi lá pelo finzinho dos anos 80 que comecei a pensar na oficina de brinquedos. Na verdade, eu queria mudar de rumo, depois de 11 anos construindo e restaurando maquetes navais. Toda aquela experiência com ferramentas e madeiras não podia se perder. Mas, o que fazer? Por incrível que possa parecer, foi sentada dentro de um ônibus parado num sinal, olhando uma chave gigante que girava sobre a tabuleta - Chaves na Hora - que a idéia "explodiu" em minha cabeça: Brinquedos! Vou fazer brinquedos!! Naquele instante, mágico, uma sensação incrível tomou conta de mim.

Aos poucos fui descobrindo revistas e livros sobre brinquedos de madeira. Ao mesmo tempo outra idéia foi tomando corpo: promover oficinas de brinquedos para crianças. Porque não? Montei um programa e fui conversar com o pessoal da Criarte - uma escola de arte no Humaitá onde anos antes eu tinha feito um curso. Álvaro Ottoni e Ângela Macedo me receberam de portas e corações abertos. Me deram uma sala e lá montei minha primeira oficina. Junto com Claudia Santos, fizemos um esquema de divulgação, que me levou ao programa Sem Censura na TVE.

Após a entrevista, uma surpresa: Marina Quintanilha Martinez, minha professora de literatura infantil no Ciae da Escolinha de Arte do Brasil assistiu e me ligou com um convite para conhecer sua Biblioteca Infantil Manoel Lino Costa, no Centro do Rio. Reencontrar a Marina seria ótimo, mas o que eu poderia fazer numa biblioteca? Vieram as lembranças das bibliotecas da minha vida. A do colégio de freiras, onde era preciso entrar em silêncio, com as mãos para trás, sentar no lugar marcado e folhear o livro que já estava sobre a mesa. A do ginásio, onde o inspetor vigiava escondido entre as prateleiras. A vontade de sair correndo dali era irresistível! Assim me preparei para visitar a BIMLIC.

O endereço também não era dos mais convidativos. Uma sala num dispensário de freiras na Rua Mem de Sá, área bastante degradada da cidade. Mas foi abrir a porta pra mergulhar de cabeça num lugar mágico e especial, que só uma pessoa como a Marina poderia ter inventado. Era um Espaço Vivo, com livros, crianças, idéias e pessoas sérias e muito envolvidas com o que faziam. Foi um caso de amor à primeira vista. Saí de lá empolgada e na semana seguinte comecei a trabalhar. Fui conhecendo as crianças, levando livros pra casa. Abrimos inscrições para a Oficina de Brinquedos, a princípio uma tarde por semana durante dois meses. Quem faltasse duas vezes seguidas, perdia a vez, pois havia uma grande fila de espera. Foi uma das experiências mais marcantes de minha vida.

Robson, Alex, Diogo, Mark, Ednilson, Wendel, Leidiane, Rafael, Ulisses, Vinícius, Andreza, Marcelo, Fabinho, Paulo e tantos outros! Juntos montamos a oficina, que, ao longo de dois anos produziu brinquedos maravilhosos. Relendo os diários de bordo daquela época, me surpreendo com a lembrança do primeiro dia da oficina, quando conversamos sobre lixo, sucata, desperdício e partimos pra organização do material. Ficou registrada a grande dificuldade das crianças pra simplesmente forrar com papel colorido as caixas de papelão! Com o tempo eles foram dominando tesoura e régua, além de serrote, alicate, martelo, furadeira. Tínhamos nossa própria seção de livros, que no início eram bastante consultados, servindo de ponto de partida. Alguns projetos da biblioteca - Mitologia: O Labirinto de Creta, Contos de fadas: Castelos - acabaram se tornando projetos de longo curso da Oficina. O inverso também ocorreu: a partir da história A Casinha, contada por Helena Jacobina e da idéia de fazer maquetes, surgiu A Lapa vista pelas crianças - um projeto de ecologia urbana, que envolveu todos nós durante alguns meses, produzindo um trabalho muito bom, registrado em vídeo por Paula Saldanha e Roberto Werneck e apresentado no Museu do Telefone.

Em 92, encerrado o contrato de comodato com a instituição, a Biblioteca fechou suas portas. Durante outros dois anos tentamos, em vão, encontrar novo espaço para ela. Hoje o acervo de uns 5.000 livros está em boas mãos, no Sítio Santa Clara. De lá pra cá, muitas águas rolaram, muitas oficinas aconteceram, para crianças e adultos, em instituições de ensino formal e informal, no Rio de Janeiro e em outros estados. Mas é com especial emoção e carinho que penso naquele tempo, onde tanto aprendi com aquelas crianças. Foi uma Escola e tanto, uma "plataforma de vôo", como diz Marina. Até hoje somos parceiras em projetos de arte e leitura, além de comadres. Minha filha Lara, hoje com 6 anos, não poderia ter melhor madrinha!



Setembro de 2001

Texto da exposição Galeria de Brinquedos Populares

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