sábado, 26 de setembro de 2009

Acordei com o barulho da moto-serra. Já acostumada ao silêncio, ao canto dos pássaros e, no máximo, aos latidos e ao ruído de um ou outro carro de vez em quando, me assustei e fui pra janela. No terreno ao lado, caminhões despejavam areia e um frio correu pela espinha. Saí de casa e me deparei com a cena que tanto temi: homens equilibrando-se no alto da imensa árvore centenária, em fração de minutos punham abaixo o que a natureza levou décadas construindo. Indagando o que se passava, ouvi a assombrosa informação de que aquele tronco serviria para fazer mesinhas para o novo condomínio que há de ser erguido. Tentei argumentar que a "nossa" árvore não podia ser derrubada assim, como um inimigo no campo de batalha, desarmado e  sem chance de se defender.
Toquei o sino da casa do vizinho mais próximo, buscando reforço na tentativa de salvar aquele gigante que há poucos meses ostentava vasta cabeleira vermelha, abrigando aves migratórias em bandos barulhentos.
Enquanto tentava pensar rápido no que fazer, lamentei não ter feito as fotos que planejara, acreditando que ela ali ficaria pra sempre... Lembrei de todas as vezes que olhei pra ela, encantada com suas flores vermelhas, sua copa imensa contra o azul do céu. Ela ficava no terreno ao lado e cada vez que meus olhos davam com ela eu esquecia da propriedade privada, da sandice humana e pensava em todos os vendavais que ela suportou, em todas as estações em que ela perdeu as folhas, se encheu de sementes, os novos brotos, as flores e as gerações de pássaros que ali descansaram, fizeram seus ninhos.
Contra a velocidade de uma moto-serra não há o que fazer. O tempo se esvaiu enquanto eu tentava descobrir, pelo 102 da Telemar, o telefone do IBAMA de Cabo Frio - não consta; da secretaria do meio ambiente - não consta. Fui lembrando de amigos que poderiam saber como se salva uma árvore - número ocupado, secretária eletrônica, chama e não atende (era sábado de manhã, em pleno feriadão) Acabei conseguindo falar com o secretário de meio ambiente, que, lamentando, disse não ser possível fazer nada, posto que a árvore estava dentro da propriedade de alguém. O vizinho do sino me chamou à porta para dizer ter conseguido chamar a polícia marítima e ambiental, que estaria a caminho. Enquanto falávamos, tombou o último pedaço visível da árvore.
Agora olho para aquele pedaço de céu onde a não-árvore parece ainda sacudir seus ramos.
Foi-se o último gigante do Caminho Verde. Em seu lugar há de ser levantado em tempo recorde mais um condomínio-pombal a se encher de churrasqueiras e caipirinhas no próximo verão - ah - e com mesinhas rústicas de toros de madeira.


Cabo Frio,  31 de outubro de 2004

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